2006-09-21
Rogério Rôla
DOU-ME MAL COM O QUE SOU MAS NÃO MUDO Os stôres queixam-se da minha letra: estes gráficos do coração às vezes nem eu próprio entendo. Os joelhos quase não me cabem debaixo da carteira velha, o tampo entalhado de pesadelos. As mãos começam a não caber nos bolsos e quando as abro espero e não sei muito bem o que fazer com elas. Rapei completamente o cabelo no inverno. E se no verão as botas não me caem dos pés é porque calço seis pares de meias. Volto da escola pelo trilho mais longo a falar alto e a fazer heroísmos. Deito-me às escuras com a tv ligada. No canto espreita um espião: o olho verde da aparelhagem. E no hálito do chamon derreto a última pastilha elástica. Estas olheiras logo de manhã são aquilo que os meus pais mais censuram. Mas doente como estou, já nem me dizem. Fechado à chave na casa de banho sem respeito pelos outros morro longamente várias vezes por dia. Poema de Rogério Rôla. Em breve, na "aguasfurtadas" 10.
furtado por Rui Manuel Amaral |
08:32
|
0 comentários
.....................................................................................................................................
2006-09-13
Manuel António Pina e Winnie-the-Pooh
Na área do ensaio, a "aguasfurtadas" 10 incluirá um extraordinário texto de Manuel António Pina sobre o urso "Winnie-the-Pooh". Eis um brevíssimo excerto: "(...) 'Winnie-the-Pooh' é um dos mais persistentes ruídos de fundo da minha relação com as coisas e com a literatura, para não falar da minha relação comigo mesmo. Pooh e o seu olhar desprendidamente curioso intrometem-se, eu é que sei!, constantemente na minha vida (ou lá o que isto é). Principalmente em certas respostas que a minha vida me vai dando, onde me parece escutar a silenciosa voz da feliz e amável sabedoria de um Urso Com Muito Pouco Miolo, que talvez seja afinal, suspeito eu, a voz elementar da própria existência, pois que, convocando agora Alberto Caeiro, pode bem acontecer que haja metafísica bastante em não haver metafísica nenhuma."
furtado por Rui Manuel Amaral |
08:01
|
2 comentários
.....................................................................................................................................
2006-09-08
Gez Walsh na 10
PODAR O AVÔ O avô estava a dormir na sua cadeira de embalar, quando reparei que lhe saía do nariz um enorme pêlo preto, já a encaracolar. O pobre velhote dormia que dava gosto ver e eu aproximei-me devagar sem ele saber. Estava com a boca aberta, a cara sem nenhuma expressão, eu cheguei-me perto do pêlo e arranquei-o com um esticão. O avô acordou com um grito, logo ao nariz se agarrou. Quando a dor lhe chegou ao corpo, todo ele se eriçou. E o avô gritou: “Que raio estás tu a fazer?” Eu disse: “Não é nada, estou só a podar o avô!”. Este poema de Gez Walsh, originalmente editado em 1997, faz parte de uma pequena recolha que a "aguasfurtadas" irá apresentar no seu número 10. É a primeira vez que Walsh é editado em português. As versões, excelentes, são da responsabilidade de Helder Moura Pereira.
furtado por Rui Manuel Amaral |
08:29
|
0 comentários
.....................................................................................................................................
2006-09-06
Rogério Rola, Pedro Amaral, Gez Walsh, Angélica Freitas, etc.
Na área da poesia, e como é habitual, a "aguasfurtadas" 10 incluirá diversos autores cujo trabalho é ainda pouco conhecido de grande parte dos leitores, mas que merecem a maior das atenções. Entre eles estão Rogério Rola, Pedro Amaral, Gez Walsh (traduzido por Helder Moura Pereira) e Angélica Freitas. Verdadeiras revelações, na nossa opinião. Durante os próximos dias, e enquanto a revista se encontra em fase de produção, aproveitaremos para divulgar aqui alguns trabalhos destes autores. Para começar, publicamos um extraordinário poema de Angélica Freitas, autora brasileira (Rio Grande do Sul, 1973) que lançará o seu primeiro livro, "Rilke Shake", pelas editoras Cosac Naify e 7 Letras, justamente em Novembro próximo. A "aguasfurtadas" 10 incluirá uma pequena recolha desta autora. dentadura perfeita, ouve-me bem: não chegarás a lugar algum. são tomates e cebolas que nos sustentam, e ervilhas e cenouras, dentadura perfeita. ah, sim, shakespeare é muito bom, mas e beterrabas, chicória e agrião? e arroz, couve e feijão? dentinhos lindos, o boi que comes ontem pastava no campo. e te queixaste que a carne estava dura demais. dura demais é a vida, dentadura perfeita. mas come, come tudo que puderes, e esquece este papo, e me enfia os talheres.
furtado por Rui Manuel Amaral |
08:01
|
0 comentários
.....................................................................................................................................
|