2006-07-01
uma revista cor-de-rosa que enche as medidas

 

"Uma das frustrações que há muito me acompanhava era a inexistência de uma revista cor-de-rosa que me enchesse as medidas. A razão de ser do pretérito é o número 9 da aguasfurtadas, cujo cor-de-rosa ligeiro - da capa - permite-me agora colmatar tal frustração sem ceder à brejeirice da imprensa mais digna de tais 'classificações pigmentárias'. Deve ser gralha a data de edição referida na ficha técnica (reprodução fidedigna da do número precedente), pelo que tomarei como correcta a referida na capa: Dezembro de 2005. Esta coisa das datas de edição tem muito que se lhe diga, embora não interesse para nada. Prefiro ir directamente ao que importa. Devido à abundância de conteúdos, quase sempre muito bons, destaco na secção de poesia um conjunto de cinco poemas de Rui Lage intitulado Um Discurso Sobre o Real. São poemas cuja congruência é sempre discutível, mas admiráveis pela coragem que denotam na demarcação de alguns estereótipos que vêm contaminando, de há algum tempo a esta parte, os trilhos de uma fracção da poesia portuguesa mais actual. Tornando a poesia assunto, Lage questiona-se sobre isso a que é costume chamar-se real enquanto matéria de poesia. De que vive a poesia? – parece ser esta a questão primeira destes poemas. O desenvolvimento do tema, em tom tão irónico quão contundente, opta pela denúncia dos paradoxos e dos preconceitos que enfermam este debate desde o seu início. Um verso, um exemplo: «Nunca se ouviu falar em spleen rural.» (in Por Um Regresso ao Rural). São os preconceitos de uma poesia centrada na vida urbana o que aqui vem à superfície, em tom, repito, claramente irónico. Em termos de tradução, sublinho "uma sequência" de Adrienne Rich convertida para a nossa língua por Margarida Vale de Gato. Trata-se de A Fenomenologia da Ira, poema em dez partes incluído originalmente na colectânea Diving Into The Wreck (1973), onde saltam à vista as contrariedades de uma poesia que sempre se alicerçou no combate político: «Loucura. Suicídio. Homicídio. / Não haverá mais saída além destas?» Já na secção de conto, quero chamar a atenção para um assalto ao género pela mão do tradutor Filipe Guerra. Do conto em causa, intitulado As Casas, agrada-me especialmente uma das imagens finais: «Há barcos que são casas, e todas as casas sonham tornar-se barcos e partir.» Na secção de teatro, uma paródia inquietante sobre a desumanização de um mundo alinhavado pelo mediático, pelo consumível, pelos artifícios da "sociedade toca-e-foge". Chama-se a peça Os Condenados e foi escrita por Nuno F. Santos. Um jovem de 24 anos detido num apartamento, um apresentador de televisão famoso, um jornalista bem vestido e uma mulher sensual, encarregam-se de nos lembrar o que nunca é demais lembrar: o espectáculo da vida é a normalidade que alguns pretendem impor-lhe, sendo essa normalidade o princípio de todo e qualquer absurdo existencial. No ensaio, secção eventualmente mais pobre deste número, há uma agradável digressão de Miguel Lorga Miranda pela temática do riso. Nota-se o esforço na sistematização cronológica das fontes e o tom é saudavelmente desafectado. Mas o resultado final, quer por algumas lacunas bibliográficas imperdoáveis, quer pela ausência de um esforço de especulação mais pessoal, fica aquém das expectativas inicialmente aventadas. No entanto, não só porque o tema me interessa particularmente, vale a pena a leitura. Há ainda a música, em CD e artigo, assim como muita ilustração, fotografia, desenho, motivos sempre mais do que meramente decorativos. A esse respeito, finalizo manifestando a forte impressão que me causaram os desenhos de Júlio Dolbeth. Não queria falar em surrealismo pós-moderno, o que só pode ser tomado por patetice pegada. Mas, na falta de recursos outros, foi o que me veio à memória. Agora que está dito, crucifiquem-me. Mas antes, é ver para (des)crer."

Henrique Fialho

furtado por Rui Manuel Amaral | 00:49

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Poemas de Angélica Freitas (com introdução de Ricardo Domeneck), Rogério Rôla (com introdução de Margarida Vale de Gato), Vítor Oliveira Jorge, Pedro Amaral, Gez Walsh (com tradução de Hélder Moura Pereira), Stéphane Mallarmé (com tradução de Manuel Resende) e William Shakespeare (com tradução de Manuel Resende).
Contos de António Gregório e Luís Graça.
Ensaios de Manuel António Pina, Tiago Bartolomeu Costa, Samuel Silva e João Pedro d'Alvarenga.
E ainda um texto de Óssip Mandelstam, com tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.
Ilustrações de Arff, Ana Justo, João Marçal, Francisco Cruz, Pedro Augusto, Scotch, Ana Xé Ribeiro e Agostinho Santos (com texto introdutório de André Sousa Martins).
Fotografias de Ângelo Fernandes, António Vieira, Filipe Silva, Luís Duarte, Hélio Mateus, Sofia Serrão e Fátima Séneca.
Bd de Jorge Soares.
Partituras de Ângela Ponte, Nuno Estrela e Nuno Peixoto de Pinho.
CD áudio com obras de Ângela Ponte, Nuno Estrela, Nuno Peixoto de Pinho, Carla Oliveira, Fátima Fonte e Gustavo Costa.


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