2006-03-09
posted by hmbf

 

"A Cultura que criámos é uma cultura de meia dúzia de iluminados que vivem de costas voltadas para outra meia dúzia de iluminados. Lá do meio da luminária, muito de quando em vez, surgem uns objectos obscuros, singulares, únicos. Têm a forma de algo extra-terreno, objectos não identificáveis, impossíveis de classificar em relação com a produção mais comum. São esses os objectos mais surpreendentes e entusiasmantes, são esses os objectos, pela qualidade que patenteiam e não apregoam, os que mais nos tocam. A revista aguasfurtadas é um desses objectos. Impressionante, pelo nível de exigência, exuberante, pela diversidade de matérias abordadas, inquietante, pela beleza irrepreensível que ostenta. Chega de adjectivos, nestas coisas pouco mais do que, digamos assim, motivo de desconfiança. A gente deve desconfiar sempre do elogio, é certo, mas neste caso é mesmo de ficarmos boquiabertos perante o trabalho levado a cabo por uma direcção multidisciplinar: Luísa Marino e Rui Manuel Amaral (literatura); Leandro Ribeiro e Francisco Eduardo (artes visuais); Pedro Junqueira Maia (música). Mas a primeira palavra vai directamente para os responsáveis pelo design gráfico e pela paginação, no caso Roberta Costa e Sandra Ortiga (a capa é da responsabilidade de Gabriel Loureiro), pelo equilíbrio formal, pela distribuição das matérias, pela capacidade de risco onde cada vez se arrisca menos. Dada a abrangência de conteúdos, seria exaustivo enumerar tudo o que o n.º 8 da aguasfurtadas tem para oferecer. Acreditem que a 12€, tendo em conta os conteúdos, o verbo justo só pode mesmo ser o verbo oferecer. De entre a quantidade impressionante de fotografias, imagens, ilustrações, destaco a pintura de Raquel Costa. Segundo nota biográfica no final, com aberturas para quase todos os colaboradores, ficamos a saber tratar-se Raquel Costa de uma jovem nascida no Porto em 1979. Outros trabalhos seus, encontrados nas páginas de outra revista, já me haviam impressionado. Mas a meia dúzia de reproduções aparecidas neste número permitem confirmar, ainda que sob a cautela a que uma reprodução obriga, um engenho e uma capacidade manifestos. Um dos trabalhos, intitulado How To Disappear Completely, é especialmente interessante pela forma como conjuga elementos formais e informais, figurativos e líricos, num abatimento que não deixa de ser perturbador. Na poesia, o destaque vai todo para uma breve antologia do poeta brasileiro Affonso Romano de Sant’Anna. Organizada por Rui Lage, esta recolha dá-nos conta de um poeta eclético, dos mais interessantes que a literatura brasileira viu surgir na década de 60. Trata-se de uma dúzia de poemas, dentro da qual sobressai, pela ironia certeira, Sou Um Dos 999.999 Poetas do País: «uma coisa / é fazer um verso, um poema ou mais / e receber os elogios médio-medianos dos amigos / e outra, bem outra, é ser poeta / e construir o projecto de uma obra». Ainda na poesia, mas na secção de tradução, uma aparição absoluta: a poeta iraniana Forugh Farrokhzad, traduzida por Mohsen Rostami. Tendo em conta a origem da poeta em causa, torna-se espantoso verificar a forte componente erótica (mas também política) dos seus versos. Seria interessante uma abordagem mais aprofundada da sua obra, visto a completa ausência, julgo eu, nos catálogos das editoras portuguesas. Depois, há ainda contos de Paulinho Assunção, uma peça curiosa de Regina Guimarães e Saguenail, textos sobre arquitectura, BD, Richard Wagner e um ensaio de Jorge Mantas sobre a dimensão sonora e musical da obra de Proust: «Na evidente procura obsessiva por isolamento, solidão e retiro, a máxima ambição de um Proust hipersensível ao som, para um silenciamento total da cidade, seria muito provavelmente materializada com a construção de uma câmara anecóica no seu quarto, que eliminasse qualquer eco e o isolasse acusticamente de todos os ruídos exteriores, coisa que pelas limitações tecnológicas da sua época não seria de todo possível.» Com ou sem eco, merece a aguasfurtadas uma leitura integral. O que não seria possível, claro está, sem uma leitura (sic) do CD que a acompanha, com composições de Pedro Coelho, Rui Dias, Fernando C. Lapa e Rui Penha. Imprescindível."

Henrique Fialho.

furtado por Rui Manuel Amaral | 20:30

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Poemas de Angélica Freitas (com introdução de Ricardo Domeneck), Rogério Rôla (com introdução de Margarida Vale de Gato), Vítor Oliveira Jorge, Pedro Amaral, Gez Walsh (com tradução de Hélder Moura Pereira), Stéphane Mallarmé (com tradução de Manuel Resende) e William Shakespeare (com tradução de Manuel Resende).
Contos de António Gregório e Luís Graça.
Ensaios de Manuel António Pina, Tiago Bartolomeu Costa, Samuel Silva e João Pedro d'Alvarenga.
E ainda um texto de Óssip Mandelstam, com tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.
Ilustrações de Arff, Ana Justo, João Marçal, Francisco Cruz, Pedro Augusto, Scotch, Ana Xé Ribeiro e Agostinho Santos (com texto introdutório de André Sousa Martins).
Fotografias de Ângelo Fernandes, António Vieira, Filipe Silva, Luís Duarte, Hélio Mateus, Sofia Serrão e Fátima Séneca.
Bd de Jorge Soares.
Partituras de Ângela Ponte, Nuno Estrela e Nuno Peixoto de Pinho.
CD áudio com obras de Ângela Ponte, Nuno Estrela, Nuno Peixoto de Pinho, Carla Oliveira, Fátima Fonte e Gustavo Costa.


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