2006-03-08
Eduardo Pitta escreve sobre a "aguasfurtadas" 8

 



"Numa altura em que tanto se discute sobre quem escreve o quê sobre vizinhos, inimigos ou amantes, talvez fosse mais produtivo reflectir sobre o estado da distribuição livreira. Vejamos. A revista aguas furtadas — assim mesmo, em minúsculas e sem acento —, órgão do Núcleo de Jornalismo Académico do Porto, chegou ao n.º 8. Não é uma daquelas revistas fininhas, com agrafo, caídas de nenhures, que as livrarias tendem a rejeitar. Pelo contrário, trata-se de um volume de irrepreensível apuro gráfico, com CD incorporado e sugestiva capa de Gabriel Loureiro. Atento o valor do marketing, nada disto é despiciendo. Ora, tendo chegado ao n.º 8, significa que outros sete fizeram o seu caminho. Acontece que eu, que frequento livrarias, e recebo publicações de todo o tipo, nunca a tinha visto. Sabia da sua existência por conversas de terceiros, procurei, não encontrei, esqueci-me dela. Presumindo que a sua existência seja de quatro anos, é caso para dizer que têm de mudar de distribuidor. Este número, datado de Outubro de 2005, mas, ao que me dizem, dado à estampa há quinze ou vinte dias, foi o que primeiro vi. Dito isto, vamos ao que interessa. A revista tem um colectivo de directores, dois do lado da literatura (Luísa Marinho e Rui Manuel Amaral), dois das artes visuais (Leandro Ribeiro e Francisco Eduardo) e um para a música (Pedro Junqueira Maia). Não cabe num post a recensão exaustiva das suas 317 páginas. Mas gostaria de chamar a atenção para parte do seu conteúdo. Desde logo, uma breve antologia de poemas do brasileiro Affonso Romano de Sant’Anna (n. 1937), organizada e comentada por Rui Lage, que faz uma boa escolha e sinaliza com acerto o lugar de Sant’Anna na contemporaneidade. Depois, uma excelente sequência de dez fotografias de Z, acerca de quem nada sei, excepto que percebe da poda. Também há Blake, como não podia deixar de ser pela mão de Manuel Portela, que introduz e traduz The Book of Ahania (1795). Não me vou alargar porque já aqui no blogue e outras assinaladas partes escrevi com empatia sobre Blake & Portela. A reter, igualmente, os poemas da poeta iraniana Forugh Farrokhzad (1935-67), de quem nunca tinha ouvido falar. Quem traduz é Mohsen Rostami, um médico iraniano radicado em Portugal desde 1987. Por ele fiquei a saber que Forugh Farrokhzad é autora do primeiro livro «aberta e declaradamente feminino» da literatura do seu país, Presa, sucessivamente reeditado, «contendo apenas e só a poesia duma mulher», facto singular na literatura persa. Além de poeta, Forugh foi tradutora de Bernard Shaw e Henry Miller, scriptwriter e cineasta, ocasional actriz (representou Pirandello), e móbil de um filme de Bertoluci. Morreu aos 32 anos. Os poemas devem fazer corar as actuais autoridades teocráticas: «O meu apaixonado / com aquele corpo nu e sem vergonha / pôs-se de pé sobre os seus caules / poderoso como a morte [...].» Descoberta gratificante, pode-se dizer. Uma sequência de Raquel Costa, Something is Cracking, dá lugar à pintura. Mais traduções, bem como secções de poesia, conto, ensaio, teatro, actos performativos, BD e música, completam este número de aguas furtadas. Produção em grande parte assinada por autores novos, muitos deles estudantes, lado a lado com nomes conhecidos, como Paulinho Assunção e João Luís Barreto Guimarães. Pela sua extensão, toda essa vasta colaboração exige leitura demorada. A fotografia tem lugar de destaque: Nuno Ferreira, Joana Beleza e Víctor Esteves devem ser seguidos com interesse. Para os entendidos, a área da música merece um tratamento que me parece consistente. O CD inclui peças de diversa proveniência, com gravações em estúdio e outras live. Gostei particularmente da faixa 4, Calcinatio, de Rui Penha (pauta a partir da Ode Triunfal de Álvaro de Campos). O comentário é curto? Talvez seja. O melhor mesmo é insistir com o livreiro para poder ajuizar."

Eduardo Pitta

furtado por Rui Manuel Amaral | 08:22

1 Comments:

Blogger the girl in the other room said...

Algures do lado direito de um dos melhores blogues de jornalismo que por aí anda, também se recomenda o vosso trabalho... De Rogério Santos, http://industrias-culturais.blogspot.com/.

Continuem! Parabéns!

Marta Couto

18:25  

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Contos de António Gregório e Luís Graça.
Ensaios de Manuel António Pina, Tiago Bartolomeu Costa, Samuel Silva e João Pedro d'Alvarenga.
E ainda um texto de Óssip Mandelstam, com tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.
Ilustrações de Arff, Ana Justo, João Marçal, Francisco Cruz, Pedro Augusto, Scotch, Ana Xé Ribeiro e Agostinho Santos (com texto introdutório de André Sousa Martins).
Fotografias de Ângelo Fernandes, António Vieira, Filipe Silva, Luís Duarte, Hélio Mateus, Sofia Serrão e Fátima Séneca.
Bd de Jorge Soares.
Partituras de Ângela Ponte, Nuno Estrela e Nuno Peixoto de Pinho.
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